quarta-feira, maio 24, 2006

A Violência em São Paulo







Os últimos acontecimentos em São Paulo nos fazem refletir várias questões extremamente importantes para a compreensão da conjuntura atual do Brasil. Primeira questão: Porque existem tantos presidiários no Brasil? Para respondermos a essa questão devemos voltar ao Brasil pré-libertação dos escravos. O regime escravagista não se sustentava mais. Era cada vez maior a pressão internacional para que os escravos passassem a ser trabalhadores assalariados. Assim o mercado consumidor mundial aumentaria, pois haveriam mais consumidores. O problema se constituiu na seguinte dicotomia: A escravidão foi abolida, a discriminação racial não. O escravo liberto não seu tornou necessariamente um empregado assalariado. Os senhores das terras muitas vezes preferiam dar emprego a imigrantes europeus, brancos, do que a negros (considerados raça inferior naquela época) recém libertos. Sendo assim restava ao ex-escravo partir em direção as cidades, que já na época, não tinham condições estruturais, nem políticas públicas, para abrigar mais moradores.

Restava aos ex-escravos, junto com outros imigrantes que vinham para as cidades, a marginalidade - marginalidade no contexto geográfico, pois os novos habitantes das cidades brasileiras se instalavam em suas margens, nas áreas ainda sem infra-estrutura das cidades - e também a marginalidade econômica, pois não havia trabalho para todos os novos habitantes do Brasil. A classe dominante ainda estava acostumada com o regime escravagista e de superioridade racial, e por isso não houve uma preocupação com essa nova parcela da população que estava sendo incorporada ao País.

A única preocupação real da ascendente burguesia, e da decadente classe rural brasileira do final do século XIX, era o lucro. Todos queriam lucrar o máximo possível para adentrarem no rentável comercio da revolução industrial. Lucro maior significa mais exploração da força de trabalho, sendo assim, o salário era o menor possível, e cada vez mais pessoas eram empurradas para o que ouso chamar de “marginalidade tupiniquim”, ou seja, aqueles que não tinham lugar na recém surgida sociedade capitalista brasileira. A marginalidade tupiniquim buscava na informalidade meios de sobreviver em uma sociedade em que o mais importante era o lucro. O aumento da criminalidade, e da marginalidade no Brasil se deve não pela libertação dos escravos, mas sim pela manutenção de um sistema baseado na exploração. Essa marginalidade tupiniquim buscará na informalidade os meios de sobrevivência. Seja vendendo sua força de trabalho em troco de um prato de comida, seja partindo para a execução de atos ilícitos.

Sendo assim a marginalidade está diretamente ligada ao nível de exploração da força de trabalho. Quanto maior for a exploração maior será o índice de marginalidade da sociedade. Quanto maior o lucro de alguns poucos sobre a maioria dos trabalhadores assalariados, mais violenta será a resposta da parcela excluída do mercado de trabalho. A violência da margem da sociedade nada mais é que do que o reflexo da violência diária da sociedade de consumo sobre os excluídos do processo econômico. Estes por sua vez querem adentrar no processo econômico, sem perceber que, o que gera sua exclusão é o próprio sistema da busca incansável pelo lucro imediato. O mesmo sistema que colocou na marginalidade os milhões de negros recém libertos do fim do século XIX.

Segunda questão: O que educação tem a ver com a violência? Se essa questão tivesse sido levantada com a chegada dos portugueses a 500 anos atrás com certeza nossa realidade hoje seria outra. Se ao invés de pensar somente no lucro imediato os europeus que aqui chegaram tivessem aprendido a conviver com a natureza, como os índios o faziam, teríamos tido uma sociedade mais justa e igualitária, pois no regime tribal em que os índios viviam não havia exploração do trabalho em busca do lucro. Mas, ao invés disso, o que prevaleceu foi o sistema de lucro imediato. Sem preocupação com o futuro. E a preocupação com o futuro é uma das principais características de uma sociedade em que a educação é levada a sério. Pois de outra forma, em uma sociedade sem o investimento necessário em educação, os cidadãos não conseguem perceber a importância do futuro em suas vidas.

O sistema de lucro imediato que prevaleceu por aqui se preocupava muito mais com a repressão a marginalidade do que em maneiras de inseri-la dentro da sociedade. A inserção da massa marginal na sociedade atual acarretaria em menos lucros para os detentores dos meios de produção, pois seriam mais pessoas para divisão das riquezas acumuladas com a exploração da força de trabalho assalariada. Por isso hoje é tão comum a construção de presídios, e tão rara é a construção de escolas. Por isso o investimento em armas é maior do que o investimento em livros, pois não há uma preocupação real com o futuro. Na nossa visão imediatista mais igualdade social significa menos lucros para os capitalistas. E acumulação de capital na atual sociedade brasileira é sinal de “stauts social”. Já o conhecimento, a educação, é vista como um perigo de subversão dos valores, pois quanto maior o índice de conhecimento de um povo maior é a tendência da busca por igualdade. A principal preocupação brasileira é hoje a mesma dos portugueses que aqui chegaram por volta de 1500. Ou seja, o lucro sem preocupação com o futuro, o jeitinho brasileiro, o pensamento de se levar “vantagem” em tudo. Pensamento esse que esta saindo mais caro do que o investimento em educação.

Talvez o terceiro questionamento seja o mais polêmico: Porque tanta violência? O que vivemos hoje é o resultado de uma história de 500 anos de injustiças. Por mais de 500 anos uma grande parte da população foi largada a margem, sem que houvesse o mínimo de preocupação humanitária para com os excluídos do processo econômico. A estes restavam vender sua força de trabalho por salários que não garantiam a sua sobrevivência, ou então a busca de fonte de rendas na criminalidade.

A policia também tem seu papel importante no contexto atual. Mais que garantir a segurança de todos os cidadãos, durante a história do Brasil, ela serviu para garantir a manutenção do “status qüo” e a repressão dos marginalizados que lutavam pela sobrevivência. Por isso são tão constantes as chacinas promovidas nas favelas e nos bairros periféricos. As chacinas quando produzidas por grupos de extermínio não passam de limpezas promovidas por aqueles que na verdade deveriam proteger o povo. Vale lembrar também que as chacinas são patrocinadas por pequenos comerciantes que querem se ver livres da ameaça dos “marginais”. É comum também a invasão de domicílios, por parte dos agentes da “lei”, sem mandatos de busca. Os barracos eram revirados, seus moradores humilhados, e várias pessoas eram mortas, por morarem em barracos nas favelas. A policia do estado acabava por executar inocentes, criando assim a pena de morte no Brasil.

Aos marginalizados resta a opção da criação de sua própria segurança, buscando também o lucro imediato, através da organização do trafico de drogas. O trafico organizado acaba por assumir nos bairros periféricos o papel que deveria ser da justiça oficial, ou seja, a proteção dos seus moradores. Acaba sendo responsabilidade do trafico organizado punir os pequenos delitos cometidos dentro das comunidades periféricas. Acaba sendo do trafico organizado também a função de proteger os moradores para que não sejam vítimas de chacinas promovidas pelos agentes da “lei”, pois em muitos bairros a policia não pode “agir” por conta do controle total do tráfico organizado.

Se hoje vivemos esse clima de guerra civil no país não podemos esquecer que ela é fruto de nossa própria história. Ela não surgiu do “nada” sem motivos específicos. Ela é o resultado da história de exploração de nosso povo. Da história da discriminação presente na mentalidade dominante de nosso país. Ou seja, o que vivemos hoje é o reflexo de 500 anos de violência dos poderosos sobre os oprimidos no Brasil.